Meu pai foi um grande nanador de piscina. Quando o mar de Copacabana era mar de piscina, ele se exibia nadando contra a maré, mergulhava e subia, respirava como respiram os botos e eu achava isso o máximo.
No começo, me levava nas costas. Meu pai ia nadando de peito e eu flutuava sobre ele. Quando cruzava a arrebentação, às vezes apertava um pouco mais o pescoço dele com medo de escorregar. Ele fingia engasgar e reclamava sorrindo: "Assim você vai nos afogar".
Um dia meu pai me pegou pela mão, me levou até a beira da praia, olhou o mar imenso, virou-se e disse: "Vai dar um mergulho". Eu olhei aquele marzão besta, pensei um pouco, olhei de volta e perguntei, a voz trêmula.
"E se eu cair?"
"Se você cair, eu estarei aqui perto para proteger você."
É uma das lembranças mais delicadas que tenho do meu pai.
Hoje, aos 85 anos, ele só se arrisca em longas caminhadas pelo calçadão de Copacabana.
Meus pais estão casados há 70 anos. Semana passada, minha mãe precisou ir a São Paulo. Pretendia ficar uns dez dias dando carinho e atenção à minha irmã, que fez uma cirurgia delicada no coração.
Meu pai fica indócil nessas horas. Telefona varias vezes perguntando ela vai voltar. Ontem liguei para saber notícias e dar um apoio moral.
Achei que seria um conforto. Uma força para ajudá-lo a enfrentar duas semanas de solidão. Ele reclamou que estava sozinho. Tentei minimizar a ausência de minha mãe lembrando a roda de amigos da praia.
"Mas eu não passo o dia na praia."
"Pai, procura alguma coisa para se distrair em casa."
Ouvi alguns segundos de silêncio, até ele dizer do outro lado da linha, a voz trêmula:
"E se eu cair?"
Fonte: Jornal O Povo - Ruy Lima