sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Estranheza


E eu tenho é saudade
Saudade da inteireza
Saudade de ser tarde
Das vezes em que sentava na calçada
E demorava horas a fio
Ao recheio do biscoito
Separar a melhor parte
E comê-la por inteiro
Fincava-me o ódio quando algum esperto
Usurpava meu processo e roubava o tão esperado momento
De degustar o guardado pelas mãos sujas das estradas
Das passagens de boi que fazia
Dos aterros para não afogar a plantação
E eu tenho saudade do que nunca tive
Do meu outro lado
Dos sorrisos que não conheci
Das dores que não gritei
Do desconhecido
Do que nunca terei, do que nunca viverei
Porque não fui tudo
Sou incompleto e as metades que me sobram deixam ausências
E não terei a inteireza desejada
Não terei o vaso reposto
Quando cai no chão se estilhaça em pedacinhos
Que me ferem os pés e deixam meu sangue enrijecido
Quero voltar ao gozo de meus pais
Entranhar-me do cheiro e da essência
Quero passar de novo
E berrar, como bezerro novo
E quem sabe meu destino seja outro
De outro jeito
Mas que se repita
Se repita a falta que me completa
Porque sou isso
Vazio e tudo
E se assim não for
Serei o que sobrar
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